sábado, 7 de fevereiro de 2009

Carta da 1ª Edição do Fórum Mundial de Educação

Carta de Porto Alegre pela Educação Pública para todos

Preâmbulo: Os mais de 15.000 educadores, educadoras, estudantes, pesquisadores, autoridades, sindicalistas, representantes de múltiplas e diferentes forças sociais e populares, sujeitos protagonistas da história e comprometidos com a educação pública, gratuita e de qualidade para todos os homens e mulheres de todas as idades, orientações sexuais e pertencimentos étnicos, religiosos e culturais da Terra, como condição necessária e possível à PAZ e a melhores perspectivas de vida para a Humanidade, apresentam aos governos de todos os países e a todos os povos do Mundo as posições aprovadas durante a plenária final do Fórum Mundial de Educação.

O período em que vivemos, quando o capital, para aumentar seus ganhos a concentrações nunca vistas, leva à miséria e à guerra a grande maioria da população mundial e produz no abandono e no massacre da infância a mais cruel e desumanizadora face deste modelo de sociedade, precisa ser entendido como de ruptura.

Na atual conjuntura internacional, após o ato terrorista de 11 de setembro, por todos repudiado, ficou mais claro tanto o desequilíbrio entre o norte e o sul e o fosso crescente entre ricos e pobres quanto o perigo da violência originária dos irracionalismos que ameaçam toda forma de civilização. As forças dominantes do mundo buscam mostrar o momento presente como sendo de catástrofe mundial. Para a grande maioria dos seres humanos, no entanto, esta ruptura pode ser vista como a passagem de uma situação para outra, na qual a solidariedade, a liberdade, a igualdade e o respeito às diferenças revigoram-se como valores aliados à compreensão de que existem hoje, no mundo, forças e riquezas capazes de alimentar os famintos e de fornecer a todos condições materiais e espirituais dignas, entre as quais salienta-se a educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.

É neste contexto e como parte dessas forças que se reuniu o Fórum Mundial de Educação, demonstrando que o momento de passagem vem sendo construído em todos os cantos da Terra por movimentos sociais e governos comprometidos com a democracia e as causas populares, para a proposição de alternativas à excludente globalização neoliberal, no campo e na cidade.

São muitas as frentes de luta, em várias partes do mundo - forças zapatistas, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, movimentos contra o racismo, a intolerância racial e a xenofobia - culminantes na 3ª Conferência Mundial de Durban na África do Sul, contra o neoliberalismo e pela humanidade, a Marcha pela Paz - realizada pela ONU em Peruggia e Assis, a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio ao Cidadão - ATTAC, entre tantas. Nelas vão sendo encontradas alternativas populares e democráticas que se opõem às pressões financeiras representadas pelo Banco Mundial, pela Organização Mundial do Comércio (notoriamente o acordo geral sobre o comércio e os serviços que põe em perigo a educação pública), pelo Fundo Monetário Internacional, que dizem "reorganizar a economia do mundo".

Neste contexto, entendemos como fundamental aprofundar a solidariedade e a organização entre os movimentos sociais, associativos, sindicais e parlamentários, promovendo encontros mundiais, em vários países e cidades. As reações ocorridas em Seattle, Davos, Cancun, Quebec e Gênova, as greves e as marchas realizadas por trabalhadores de diferentes categorias, especialmente os trabalhadores em educação e os estudantes, o Fórum Social Mundial e este Fórum Mundial da Educação indicam que, com os pés no presente, criticando o que de terrível foi e vem sendo feito contra todos os povos, homens e mulheres vão construindo, com esperança, o futuro. Por isto, é necessário repudiar a mercantilização da educação que permite aos países do norte, aproveitando sua posição dominante, atrair cérebros dos países do sul através de uma imigração seletiva. Tudo isto indica a possibilidade de ampliação das alternativas realmente solidárias, populares e democráticas, entre elas as relativas à escola pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis.

Neste sentido, entendemos que a luta contra a globalização neoliberal exige que afirmemos as soluções já existentes e que busquemos novas oportunidades de atuação nos âmbitos local, regional, nacional e mundial.

Serão bem-vindas à luta e à concretização de tais alternativas todas as forças, organizações e setores que entendam a necessidade de uma radical mudança nas propostas econômicas em escala mundial, bem como nas políticas públicas nacionais e locais, para permitir a igualitária distribuição das riquezas, a sustentabilidade meio-ambiental e o amplo acesso por todos dos bens culturais comuns, entre os quais todos os tipos de educação, mediatizados por valores de solidariedade, de liberdade e de reconhecimento das diferenças para a superação dos fatores que criam hierarquias entre os seres humanos. A constituição de um projeto societário, em oposição ao modelo de globalização neoliberal, exige a incorporação de crescentes forças a esta luta apenas começada e o combate a todos os fundamentalismos.

Estamos irmanados pelo entendimento de que, quaisquer que sejam suas crenças, modos de viver, gostos, sentimentos, diferenças em termos de necessidades educativas especiais, o ser humano é sempre um sujeito de direitos. A educação, condição necessária para o diálogo e a PAZ, tem um papel importante nessa luta, na medida em que os tão diversos e sempre coletivos espaços, nos quais ela se dá, são lugares de discussão, vivência e convivência. A escola pública, nesse processo, transforma-se e se revifica como espaço/tempo de possibilidades para encontros de homens e de mulheres de todas as idades. Assim, ao contrário da afirmação das forças do capital, de que a escola pública já está superada, reafirmamos sua potência e permanente movimento na reinvenção do cotidiano de nossas sociedades e na sua própria transformação, como resultado do protagonismo dos excluídos.

A conquista do poder político em cada situação concreta, nacional e local, é também uma das frentes de luta, já que a globalização do capital sempre precisou de governos nacionais, regionais e locais capazes de executar seus planos e fazer valer sua força. A criação de alternativas às propostas neoliberais vem sendo construída com governos populares e democráticos, tecidos com dificuldades e que se configuram como possibilidade crescente.

A luta por mudanças no mundo do trabalho, na perspectiva de uma profissionalização sustentável, com acesso de todos à evolução científico-tecnológica, precisa ser acompanhada de garantias dos direitos sociais para os trabalhadores e trabalhadoras e de reconhecimento universal da certificação profissional. Essa luta mantém relação estreita com as tantas mudanças antes indicadas, exigindo, assim, a ampliação do conhecimento humanista, técnico-científico, ético e estético e a incorporação real do direito às diferenças, para que possamos nos compreender, nos aproximar e superar hierarquias entre seres humanos, dadas por gênero, idade ou pertencimentos étnicos, raciais, religiosos, culturais e políticos. Os trabalhadores/trabalhadoras da educação têm, com relação a isso, histórias para contar sobre seus esforços comuns e buscam crescentemente participar, com os múltiplos movimentos sociais, na tessitura de um mundo mais justo e pacífico, afirmando a importância de seu trabalho para a primeira infância, as crianças, os jovens, os adultos e os velhos.

Este Fórum Mundial de Educação soma-se às discussões realizadas nos diversos fóruns de Educação que aconteceram na última década, em escala mundial, identificados com o ideário expresso neste documento, indicando-as como eixos prioritários para o Fórum Social Mundial/2002.

O Fórum Mundial de Educação apresenta-se como realidade e possibilidade na construção de redes que incorporam pessoas, organizações e movimentos sociais e culturais locais, regionais, nacionais e mundiais para confirmar a educação pública para todos como direito social inalienável, garantida e financiada pelo Estado, nunca reduzida à condição de mercadoria e serviço, na perspectiva de uma sociedade solidária, radicalmente democrática, igualitária e justa.

Porto Alegre (Brasil), 27 de outubro de 2001.

Inté mais vê Rogério Wong

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