terça-feira, 28 de abril de 2009

Sobre Progressão Continuada...

A ignorância em torno da progressão continuada começa pelo engano de confundi-la com sua contrafação: aquela que continua admitindo as reprovações nas passagens dos ciclos ou que usa esse sistema apenas para voltar à antiga divisão do ensino fundamental em dois níveis (agora chamados ciclos), de quatro séries cada um. Ora, a principal característica da progressão continuada é, precisamente, a eliminação da reprovação, o que constituiu o maior avanço pedagógico proposto pelas políticas públicas em educação no Século XX. Progressão continuada significa que se progride continuamente, sem o “regime estúpido das repetições de série”, como o chamava Anísio Teixeira. E a eliminação da reprovação é precisamente o principal foco de resistência daqueles que se opõem à progressão continuada, o que denota, no mínimo, a total ignorância dos fundamentos da ação educativa.

A reprovação escolar não é estúpida apenas porque destrói a auto-estima do educando, num processo antieducativo que despreza o mais importante na relação pedagógica, ou seja, a condição de sujeito do aluno, a única que permite o êxito no aprendizado. Ela é estúpida também por motivos que poderiam estar à disposição mesmo de quem não tenha conhecimentos especializados em pedagogia. Isso porque a reprovação, a pretexto de pôr, no aluno, a culpa por um fracasso que é de todo o sistema escolar, revela-se a própria negação do mais comezinho processo avaliativo, necessário a qualquer prática humana, individual ou coletiva. Ao invés de um processo contínuo e permanente de avaliação de todos os elementos envolvidos, acompanhando o desenrolar da atividade, corrigindo-lhe os rumos e adequando os meios aos fins, opta-se por um processo irracional que espera um ano inteiro para, em vez de corrigir os erros, apenas condenar o aluno a repetir todo um ano do mesmo ensino medíocre.

Um dos grandes problemas da ignorância com relação às questões pedagógicas é que ela funciona de modo perverso, invertendo causas e efeitos do mau ensino. Assim, em vez de se reconhecer, na não-retenção, a virtude de pôr à mostra o mau desempenho da escola atual — que, mesmo com a permanência do aluno por vários anos, proporcionada pela promoção compulsória, não consegue educá-lo —, passa-se a imputar a culpa à progressão continuada, como se a causa do não-aprendizado fosse a promoção e não a ausência de bom ensino. Até pessoas que se dizem progressistas se põem a dizer que estamos excluindo os alunos ao aprová-los, sem perceberem que o que os exclui não é a promoção, mas a falta de ensino de qualidade que costuma ser acobertada precisamente pela reprovação e inculpação das vítimas do ensino ruim.

A resistência à progressão continuada alimenta-se da ignorância, pois não se aprende a reprovar pelo estudo e pelo conhecimento, mas pela falta deles. Da mesma forma, ninguém nasce reprovador, assim como ninguém nasce violento: assimilam-se essas condutas ao se experimentar a reprovação e a violência desde criança. A escola, ao reprovar e culpar o aluno pela incompetência que é dela, está “preparando” futuros adultos que se culpam, que reprovam e que se opõem à progressão continuada, todos eles ignorantes das verdadeiras causas do mau ensino de que eles também são vítimas.

Vitor Henrique Paro

Um comentário:

Unknown disse...

Sr. talvez seja apenas um problema de interpretação.
"Um dos grandes problemas da ignorância com relação às questões pedagógicas é que ela funciona de modo perverso, invertendo causas e efeitos do mau ensino."
As pessoas não são "ensinadas", as pessoas "aprendem" quase independentemente de quem ensine... Por outro lado a psicologia moderna eliminou os culpados, existem apenas motivos externos. Isso não é ótimo? A culpa nunca é minha, gostei disso.